Ato Cívico

No Dia da Consciência Negra, 20 de novembro, houve um Ato Cívico homenageando a resistência quilombola diante da opressão colonial. Escolas foram organizadas, professores mobilizados no intuito de promover o ato, na intenção de realizar uma devida homenagem ao Quilombo dos Palmares e àqueles que tombaram em sua defesa.

Tudo começou como manda o figurino. A banda da Polícia Militar tocando e demonstrando as armas, um pouco irônico, a força de repressão atual do governo homenageando aqueles que lutaram contra as antigas. Uma verdadeira demonstração de organização e ordem, nada fora dos padrões dos órgãos de repressão do Estado. Logo atrás, nossas crianças e jovens alegremente desfilando, comemorando o que para alguns preconceituosos seria o “Dia dos Negros”. Bem organizadas com cartazes e faixas (Análises Coerentes) mostrando a pluralidade cultural, os vários mocambos formadores do Quilombo dos Palmares.

Porém, ao fim do desfile uma cena estranha em meio à comemoração, a Associação dos Grupos Culturais e Entidades Negras de União dos Palmares (AGRUCENUP) realizou uma homenagem não pertinente ao momento. Ao mesmo tempo em que o narrador do Ato Cívico enfatizava a homenagem, cantava-se uma música em cima do trio-elétrico falando do legado histórico-cultural quilombola e homenageando o prefeito Kil e a secretária de educação Claudete Monteiro.

Nada estranho falar das ações dos gestores públicos. As pesquisas por mim realizadas têm demonstrado que a partir de 2003 com a lei nº. 994/03, de 12 de março, o nosso município tem dado os primeiros passos no sentido de valorizar a cultura negra e indígena, refletida na implantação da disciplina “Cultura Palmarina”. No entanto, ainda estamos muito longe de alcançar aquilo que é almejado por qualquer sociedade que tenha como objetivo criar uma memória coletiva, centrada no reconhecimento de uma identidade cultural própria.

O que tem de errado nisso? Há algo de errado a partir do momento que numa homenagem cívica é atribuído outro significado. Enquanto o narrador enfatizava a homenagem feita pela AGRUCENUP, um trio de cantores em cima do trio-elétrico cantava uma letra que confundia homenagem ao Quilombo dos Palmares com homenagem aos gestores públicos. Em baixo, jovens palmarinos vestidos para realizar o ato, dançavam e pulavam. Certo que o dia é de comemoração, no entanto, a comemoração deveria estar pautada na reflexão sobre o motivo do evento. A AGRUCENUP como representante dos movimentos culturais (Instituição Social), não poderia num ato cívico objetivando a reflexão do papel do negro na formação da sociedade brasileira, homenagear gestores públicos.

Craveiro Costa ao tentar compreender o processo político alagoano, conclui que o poder político das regiões alagoanas está nas mãos de grupos oligárquicos e seus desdobramentos. O ato de homenagear, não a Prefeitura e a Secretaria de Educação, mas de homenagear diretamente a figura do prefeito e da secretária conota no ato cívico outro sentido, ou seja, para Roger Chartier o re-significa dando-o outra representação simbólica. A AGRUCENUP ao realizar uma dupla homenagem (Erroneamente) distorceu o objetivo do ato cívico, ou seja, transformou um ato coletivo num ato com propósitos, no mínimo, obscuros.

Neste texto não tentei denegrir a imagem de nenhuma instituição, mas de mostrar que a sociedade palmarina precisa reconhecer que o Dia da Consciência Negra é um momento para refletir ainda mais sobre a nossa formação social. Para concluir, é preciso ressaltar, educação de qualidade, investimento na cultura, assim como em qualquer área pública é o mínimo que uma gestão pública deve realizar para o bem-estar da sociedade, para quem a governa.



Monteiro Jr.
História UFAL

4 comentários:

Boca de Caêra disse...

Bem, isso já era de se esperar, a muito que a AGRUCENUP, vem realizando ações, como o própio Monteiro as pontuam como "obscuras". creio que uma organização que surgiu para unir os grupos de culturas afro de união dos palmares, deveria ter uma linha mais objetiva dentro daquilo que realmente o povo negro precisa e não apenas se preuupar com este quando estamos perto da semana da consciencia negra, visando ganhar dinheiro da prefeitura, pois nosso povo tem muitos outros talentos e não pode viver apenas das migalhas ofertadas pelos novos "senhores de engenho" de união. Então, vejo que esta associação está apenas vendendo e usando a figura dos movimentos culturais de união, para obter prestígios políticos individuais, de quem ainda não se pode saber, porém quem conhece a AGRUCENUP já deve imaginar quem realmente esta se beneficiando com toda essa puxassaquisse pública. Ótima reflexão Monteiro Jr. parabéns!

Wenndell Amaral disse...

É algo recorrente nessa parte do Brasil, talvez aqui aconteça mais que em outros lugares. Muitos confundem a pessoa que está na função ou cargo com a própria função ou cargo. Acham que a prefeitura é o Kil, que a secretaria de educação é a Claudete. Não é assim. Os agentes políticos tem que prezar pela impessoalidade na função que exercem, e se aceitam esse tipo de demonstração (está mais para algo armado e planejado por eles mesmos) é porque se identificam com os desmandos políticos históricos brasileiros, demonstram que não tem prioridade em mudar ou melhorar a cultura política, ensejando uma evolução no modo de agir e pensar, visando a melhoria coletiva. Uma lástima, mais uma vez.

Unknown disse...

Muito bom seu texto, mas o fato observado não me deixa nem um pouco surpresa, quando trata-se de pessoas sem cultura.

Marcio Ferreira disse...

Parabéns Monteiro pela reflexão. Acredito que o Agrucenup deveria ao longo do ano, criar eventos que, qualificados, provocassem um debate do tipo: em União dos Palmares nos reconhecemos herdeiro de uma cultura de matriz africana? entendemos o real significado do 20 de novembro? Qual o centro de referência da história local que se apresente como suporte para subsidiar professores, alunos, e a sociedade como um todo na dificil tarefa de resgate cultural?
Bom companheiros, creio que alguns grupos em União só querem a chance de receber cachê uma vez por ano e só. Estão amarrados, não querem sentir a dor de serem independentes. Falaria mais, fica pra outra.