As Crônicas do Busão II: O Apartheid

“Aqui nessa casa
Ninguém quer sua boa educação(...)
Nós rimos alto, bebemos e falamos palavrão
Mas não sorrimos à toa
Não sorrimos à toa”

Volte Para o seu Lar – Marisa Monte

Você já tem cadeira no ônibus vespertino dos estudantes de União dos Palmares? Você é bem tratado pelos administradores do transporte estudantil dessa cidade? Eles ouvem suas queixas com atenção e tentam resolvê-las? Não? Então, bem-vindo ao clube da ralé e prepare-se para tomar o seu lugar no apartheid que o domina veementemente e tece o diferente tratamento dado aos humildes estudantes das instituições públicas e aos estudantes elitistas das instituições privadas.
Essa diferença no tratamento pode ser notada na distribuição de cadeiras. Durante muito tempo observei pobres alunos sofrerem uns quatro ou cinco meses até ganharem uma suplência (e em milagre máximo, uma cadeira), enquanto os alunos da elite privada – nos dois sentidos – ganhavam, ainda calouros, suplência imediata (senão a divina cadeira). Contudo, os alunos não poderiam reclamar, pois o mapa vinha com a assinatura do(a) secretário(a) de educação, que segundo a administração das finanças distribuía as vagas democraticamente ao lado de um punhado de estudantes das instituições em questão (jamais participei dessa construção cartográfica). Se democracia é pôr a elite nas cadeiras da frente e deixar as que sobraram para a ralé, então, ‘cabou-se a democracia!
Outro aspecto interessante é o trato dado às reclamações feitas pela elite e pela ralé. Quando a elite incomoda a ralé, seja com gritaria ou cachaças, esta tem o direito de não reclamar, mas quando é a ralé quem decide falar mais alto... lh, ‘ cabou-se o mundo. No outro dia recebemos reclamações e, em certos casos, advertências perigosas! Um episódio que não me sai da memória foi o dia em que o Seu Motorista voltou para União num equilíbrio duvidoso, ultrapassando carretas e fazendo curvas que se tornaram inexistentes. No fundão do ônibus a ralé começou a cantar em tom alto o clássico “Segura Na Mão De Deus”, temendo espantar o medo de verem suas vidas em risco, mas foram repreendidos pela administração porque a elite reclamara de que não conseguira dormir bem (Tudo bem, tudo bem! Virem o ônibus, mas me deixa dormir!).
Esses e inúmeros outros descasos – que serão abordados na terceira parte dessa coletânea – me fizeram perceber que o MasterCard das mães, o sobrenome dos pais e grau de chumbetagem dos filhos dão de extrema importância para o bom tratamento dos estudantes. Eu, entretanto, continuo sendo da ralé e, para ser honesto, não pretendo sair dela tão cedo.
Tarcísio José - Letras – UFAL - Vespertino