Entrevista de Maria da Penha à Revista Fórum

Foto: Valter Campanato
Por Brunna Rosa e Glauco Faria

Fórum – Segundo os nossos leitores a senhora é a personalidade que melhor representa a luta das mulheres no Brasil. Como vê a escolha e a votação para capa da Fórum?

Maria da Penha – Fico muito feliz em saber da iniciativa e de ser escolhida como personalidade que mais representa a luta das mulheres no Brasil. Acho que toda forma de divulgação das ações de mulheres que fazem a diferença no país é válida. Serve como estímulo às outras mulheres e serve para nós também, como forma de manter vivo aquilo acreditamos e reivindicamos.

Fórum – Em que setores da sociedade a senhora acredita que a mulher precisa avançar mais em termos de participação?
Penha – Na política, principalmente, pois as mulheres não estão muito próximas do poder. É muito complicado ela se inteirar da política porque sua carga de trabalho é muito grande e quase nunca sobra tempo para fazer coisas que saiam do âmbito familiar. E, quando tentam, sofrem preconceitos e são estigmatizadas por supostamente negligenciarem a família. Acredito que se mais mulheres estiverem no poder, se conseguirmos avançar nesse setor da sociedade, faremos sim toda a diferença. Isso porque a mulher tem outro olhar para a sociedade, procura fazer parcerias que possam melhorar a qualidade de vida da população e sabe que, sozinha, não se consegue mudar nada.

Fórum – Como garantir que mais mulheres adentrem a cena política?
Penha – No momento em que estamos, o conhecimento sobre a importância da atuação feminina na sociedade é muito grande. Justamente por isso acredito que temos que evidenciar o valor da mulher por meio da educação, mostrar os avanços que a participação feminina traz para a sociedade. Garantindo isso e ferramentas que permitam que ela possa participar da política, como creches de qualidade e um Estado que de fato auxilie a população, a participação da mulher aumentará. E essas coisas estão sendo muito bem trabalhadas pelo atual governo, que se comprometeu desde o começo com a luta das mulheres e por iguais condições e oportunidades em relação aos homens.

Fórum – Na opinião da senhora, quando a mulher atua nesses espaços de poder (na política, sindicatos, movimentos etc.) ela age diferentemente em relação ao homem?
Penha – Sim, por exemplo, em sindicatos que as mulheres estão à frente, questões como Aids, violência doméstica, maternidade e outras em que têm mais espaço, estão mais presentes nas discussões e atividades do que em entidades dirigidas por homens. E isso acontece porque a mulher tem mais sensibilidade e sabe o quanto essas questões estão presentes no cotidiano de outras pessoas, e não só delas, mulheres.

Fórum – A lei que leva seu nome completará três anos de implementação em agosto. Qual a avaliação da senhora quanto à implementação?
Penha – Sabemos que três anos é muito pouco para coibir e solucionar o problema da violência doméstica no Brasil. Mas a lei está surtindo grandes efeitos e mais uma vez graças à ação de governos, de ONGs, de movimentos, da sociedade e da mídia que a divulgam e fazem com que o agressor pense duas vez antes de agir. Ele sabe que hoje não passará mais impune. A sociedade brasileira está tomando ciência da violência doméstica e querendo que esta não aconteça.

Fórum – Em recente pesquisa, a porcentagem da população brasileira que conhece a lei no 11.340/06 é de 83%. Porém muitas mulheres têm medo de denunciar agressores. Como modificar este quadro?
Penha – O medo da denúncia acontece principalmente nos locais em que não existem as delegacias da mulher. Pois, se a mulher vai denunciar na delegacia normal, o delegado que a atende não tem preparo, capacitação e nem sensibilidade para tratar do que está tratando e o resultado pode ser desde ele não levar a sério a denúncia até afirmar que a condição daquela mulher é exatamente aquela, de vítima de agressão.
Se você der condições para a mulher denunciar a violência, ela denunciará. As mulheres precisam da delegacia feminina para serem acolhidas e poderem escolher e se informar sobre o que fazer da vida depois dos fatos, e necessitam também da casa de abrigo para o caso de serem ameaçadas. A lei no 11.340/06 não veio para punir os homens. Esta lei veio para punir os homens violentos.

Fórum – Uma questão polêmica e que está muito presente na mídia ultimamente é o aborto. Qual a opinião da senhora a respeito deste assunto?
Penha – Quero me reportar ao recente episódio de uma menina de nove anos estuprada pelo padrasto e que engravidou. Acredito que quem não conhece a realidade da mulher brasileira não deve e não pode emitir opiniões desse tipo. Muito menos as que o arcebispo emitiu.
A realidade da mulher brasileira é muito árdua, dura e difícil, principalmente em relação aos seus direitos. E tudo piora se ela ainda for pobre. Então nós, mulheres, temos histórias, não raro, como a desta menina, e precisamos lutar pelo maior conhecimento de causa em questões como o aborto, para evitar alguns comentários que podem vir a reforçar o preconceito e atravancar o avanço e conquista das mulheres sobre seus direitos.

Fórum – E o que a senhora entende como necessário para que a realidade da mulher se modifique?
Penha – Primeiro precisamos diminuir as distâncias entre a realidade da mulher da cidade e a do campo, levando conhecimento através das instituições que devem fazer isso. E nessa luta estão inclusas desde escolas, promotorias, delegacias até a Igreja Católica. Porque, muitas vezes e em vários lugares do Brasil, a Igreja é a única instituição presente. Pensando nisso, um tempo atrás conversei com o presidente da CNBB e propus que a campanha da fraternidade de 2010 fosse sobre a lei nº 11.340/06 e a violência doméstica. Ele gostou, mas ainda não tive resposta.

Fórum – Se a senhora fosse indicar uma mulher como símbolo da luta feminina no Brasil, quem seria?
Penha – Conheço muitas mulheres que estão fazendo um valioso trabalho dentro de suas comunidades. Não só sobre a implementação da lei, mas trazendo informação e conhecimento para as outras mulheres e estimulando o avanço feminino na sociedade. Conheço também muitas que trabalham em ONGs e movimentos sociais que estão fazendo um trabalho maravilhoso. Mas, hoje, se tivesse que indicar alguém, seria a ministra Nilcéia Freire, justamente porque conseguiu direcionar políticas específicas para as mulheres. Ela, que está à frente de um ministério específico para as mulheres, está conseguindo atender as revindicações dos movimentos e as expectativas de muitas mulheres que não estão organizadas. O trabalho dela não só representa a bandeira da ascensão da mulher na política como ela própria é uma bandeira.

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